sexta-feira, 27 de março de 2009

Tique-taque

A manhã nasce na cidade
E o sol aquece o dia:
Milagre repetido a milhões de anos.

É o minuto do silêncio,
É o instante sacro.
O amanhecer me faz esquecer
Do caos cotidiano,
Do cio das horas.

Com muito esforço,
Pode-se ainda ouvir os poucos pássaros.

...

Mas o relógio algoz,
Com ponteiros pontiagudos
Que pungem a nossa paz até matá-la
Como lâmina que atravessa uma branca pomba,
Destrói meu templo de contemplação matinal
E grita em meus ouvidos o tique-taque monótono
De uma vida frenética mas oca.
- maldita onomatopéia que me faz lembrar
que o tempo não para.


Murilo Miranda
Em 27 de março de 2009, às 09:03hs

Direitos Autorais protegidos.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Prelúdio ao meu casamento - o eterno e o efêmero

Lanço palavras na brancura crua do papel como sementes num solo infértil, com a finalidade de descrever o instante que não se descreve. Ora, inexiste meio de se (d)escrever o momento exato da conversão de um sonho em realidade, da mesma forma que não se pode precisar com exatidão quando se inicia o pôr-do-sol ou a aurora.

A apelidada “contagem regressiva” se inicia. Esse nome é que se dá ao tempo quando a expectativa de algo é tamanha que como as crianças passamos a contabilizar o tempo com os dedos da mão. Como os passos do homem na lua (?), sinto que os meus passos me conduzem a uma existência diversa e nunca experimentada: será a fusão plena da minha vida à outra vida, da minha carne à outra carne.

O que sinto não é a ânsia, a expectativa de um evento em si. O tempo, com sua crueldade inata, consumirá vorazmente este evento em pouquíssimas horas. E para agravar a efemeridade dos fatos, já estou também consciente de que estas horas não serão horas comuns: terão a matéria célere do minuto.

A esperança que me consome é a do sacramento. É a marca indelével do Eterno que habitará a minha alma e o meu coração definitivamente, e igualmente se dará com a minha amada. A minha expectativa reside no depois, no cotidiano onde o amor deverá prevalecer sobre a rotina e haverá de suprimir com sua força absoluta todo e qualquer desentendimento, convertendo logo as lágrimas em riso, a distância em perdão.

A minha espera(nça) reside no depois. É um clamor para que Deus me conceda a sabedoria imprescindível para que eu receba das divinas mãos generosas a graça indizível de envelhecer ao lado de quem se ama.

Porque o evento em si passa, somente deixa resquícios em fotos/filmes e relatos retidos na humana reminiscência. Mas o sacramento fica e permanece. O sacramento se renova a cada manhã, ao acordar e ter como primeira visão a minha amada... é nesse exato instante que o meu compromisso de amá-la ilimitadamente se refaz, esse compromisso que constituirei com Deus e com ela, e somente será extinto com o meu inevitável fenecer.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Pérolas

Inda hei de aprender com a água
A sempre mudar...
- ser gelo ou ar.
Porque se manter estático contraria
Todas as leis da natureza.

Que a minha rudeza seja como a das pedras
Que não resistem ao afago paciente do rio
E se deixam moldar no trajeto macio das águas.

Inda hei de ser como os pássaros
Que são os reis dos céus,
Mas nunca exigiram um trono:
Adormecem na simplicidade parda dos ninhos.

Inda hei de ser como as frondosas árvores
Para conceder um instante de repouso
Ao sedento.

Inda hei de aprender com as ostras
A fazer pérolas tendo como matéria prima
A dor.


Murilo Miranda
(28/01/2009)

Direitos autorais protegidos
(Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998)

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Ao Onipotente Poeta

Antes de todos os poetas, já havia um.
Ele não foi gerado, é o Pai do tempo.

Antes de todos os versos,
Os versos dele já habitavam a Terra
E pairavam sobre as águas que poluímos
Com a nossa ganância fétida.

A escrita dele reside em todo lugar,
Mas seu refúgio preferido é o ar:
Ao contrário de tantos e de mim,
Trata-se um poeta demasiadamente discreto.

Tudo que ele escreve é sutil e belo,
De forma que a perfeição é uma constante em sua Obra...
Isso tudo para ele ser ignorado por uma maioria ingrata
Que não sabe sequer reconhecer a verdadeira arte.

Ele tem dedicação exclusiva à poesia,
Diferente dos outros poetas que têm família e trabalho.
Na verdade, ele só faz duas coisas na vida:
Cria e ama.

Ele é só Criador...
Enquanto nós, os reles poetas
Somos criador e criatura
(o que faz da nossa poesia
infinitamente menor que a dele, posto que nossos versos
são meras criaturas da criatura).

Ele tem a mania incompreensível
De estar em todos os lugares ao mesmo tempo
E de insistentemente zelar de quem muito o despreza:
Eu inclusive.

Alguns colocaram nele um apelido estranho:

DEUS

... Eu prefiro chamá-lo carinhosamente
De Onipotente Poeta.


Murilo Miranda

Direitos autorais protegidos
(Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Canção do exílio - versão século XXI

Seguindo na minha preocupação com o meio ambiente, lembrei-me de uma poesia que fiz aos 16 anos de idade:


Canção do exílio - versão século XXI

Na minha terra não tem mais palmeiras,
Tem postes!
Pode ser, Sabiá?...

...

Sabiá?!?... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
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Dose dupla

Bem, poesia em dose dupla, ao meu amor:


Enredo


Acostei-me em seus braços alados
E sonhei que voava...
Pairante no vento,
Irmão dos pássaros.

Na rua, o samba-enredo da alegria irreprimida
Que musica os carnavais das nossas estações.

Teu sorriso florido iluminou
Os jardins do meu império
Sustentado pelos versos
Que escorrem da cachoeira negra
Dos teus cabelos.

E teus olhos... Ah, teus olhos!
Nascidos para os meus,
Porto de estrelas,
Berço onde resguardo os meus sonhos
Da hediondez do mundo.

No ventre da noite nasceu o silêncio,
Filho do sereno e da escuridão...
Foi quando a brancura dos pombos adormecidos
Coloriu a paz que me habitava.

Murilo Miranda


Luzir


A tua ausência é um inverno
Que nenhum sol pode suprimir
Porque teu riso está retido
No vôo das andorinhas.

A noturna retina nos assiste:
Soberanos cuja coroa
Cintila amor e juventude.

Guardo os meus olhos dentro dos teus...
É onde também as estrelas se escondem
Quando a manhã vem nos braços do dia.

Teus carinhos se abrigam
Nas mãos macias de um rio
Que esculpe pedras incultas.

A tua presença me concede a exata sensação
Das crianças numa loja de brinquedos...
E tudo que impede o meu riso,
Perde-se na tua luz.

Murilo Miranda


Versos à Michelle... "Por que conceder este título ao seu blog?" Podem me indagar...
Respondo: porque há mais dela do que de mim nesses versos. Ela é a causa, a razão de ser deles. Sem ela, eles estariam até hoje perdidos em algum lugar de mim.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Culpa

CULPA

Meus passeios poluem o mundo.
Para ler, gasto a luz de cidades inundadas.

A geladeira esburaca a camada de ozônio.
Banhos longos desertificam o planeta.

Para comer, beber, viver
gasto dinheiro (que nem ganhei).

Meus poemas
derrubam árvores.


Fabio Rocha

(do livro TUDO PELOS ARES)


Encontrei essa pérola na internet. Uma poesia de uma força incontida, que nos coage a refletirmos sobre o nosso cotidiano enfumaçado e poluído por nossa culpa exclusiva: o ser humano é o único animal que ao usufruir do meio o degrada. Há nesses versos uma reflexão simples, mas ao contrário do que se pensa, a simplicidade somente é alcançada pelos seres humanos grandiosos. Um exemplo: há obrigação mais simples do que amar e respeitar o próximo? Agora veja quem cumpre em completude tal mister (assumo a mea culpa: eu não o faço satisfatoriamente). É como a questão ambiental, tão óbvia, tão cotidiana, tão simples, mas eis as fábricas fabricando carros cada vez maiores e mais potentes (leia-se poluentes) e a propaganda incentivando a compra dos mesmos (e nós comprando)... Pensem em todo o lobbie das grandes petrolíferas para sufocar as ideias e pesquisas de combustíveis que são muitas vezes praticamente inofensivos ao ambiente. Todavia, eles têm um defeito inconciliável com o capitalismo hediondo: são baratos e o grito enfurecido e famito do lucro cala muitos pássaros que nunca mais voarão no céu por enquanto azul do nosso planeta. Calma, Humanidade, é só uma questão de tempo, a nossa hora chega.

Por fim, recomendo que visitem o site do autor da poesia supracitada: www.fabiorocha.com.br
É para mim umas das melhores vozes da poesia que nasce do solo do nosso tempo.


Murilo Miranda

domingo, 11 de janeiro de 2009

A parte que me cabe

À minha amada... àquela a quem dedico os meus versos e este blog.



A parte que me cabe


Teu corpo coberto,
Repleto da cor que doura
Os pastos no estio e os trigais.
Teus passos pastoreiam a luz.

Tens pétalas para os espinhos
Que a vida nos oferta numa coroa
E a tua voz estanca o sangue da dor
Que escorre salgada de meus olhos.

Mulher, tal como aquela
Que trouxe Deus no ventre.
Mulher, mãe da parte de mim
Ainda não nascida.

Sei que vem dos teus lábios
O meu riso e dos teus braços
Um paraíso somente meu,
Onde a semente do amor germina
Irreprimivelmente.

Mulher, com a minha costela
Deus te deu um bocado do meu coração.
Então, ponha-te ao meu lado
Porque em ti tenho restituído
O pedaço de mim que me foi tirado.

E assim o vazio dilacerante
Será desfeito pelo teu calor.
Como o sol que dissolve a noite no ar
Com a primeira luz da manhã.

Murilo Miranda


Direitos autorais protegidos
(Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998)